História da Tigresa - Crítica de Antônio Hohlfeldt



Dario Fo, um provocador oportuno
Crítica sobre o espetáculo "História da Tigresa" por Antônio Hohlfeldt
Texto publicado originalmente em: http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=58501x

Vez por outra, textos do dramaturgo italiano Dario Fo (Prêmio Nobel de 1997) são encenados na cidade. Não é a primeira vez que História da tigresa, como aqui aparece - História do tigre, como ocorre na edição de Morte acidental de um anarquista e outras peças subversivas (Brasiliense, 1986) - é encenada na cidade. Já tivemos uma montagem anterior, interpretada por uma atriz. Agora, é sob a direção de Arlete Cunha (direção de cena de Fabio Castilhos) que o ator Anderson Balhero, lançando a Cia Destemperados Teatro, interpreta este texto verdadeiramente anárquico, desde o tema até o desenrolar do enredo, uma evidente metáfora que diverte e ao mesmo tempo denuncia.
Um jovem soldado chinês foge dos exércitos de Chiang-Kai Chek, o que pressupõe estarmos ainda na primeira metade do século XX, em plena China continental, no início da revolução de Mao-Tsé Tung. Ferido, o soldado se refugia em uma caverna onde encontra uma trigresa e um filhote. A convivência entre o homem e os animais se desenvolve espantosamente, mas o homem acaba por fugir. Ao chegar a uma aldeia, depois das desconfianças naturais, é adotado pela mesma, até que a tigresa o descobre novamente, mas é adotada pela comunidade e passa a ser sua principal arma de defesa contra... os soldados de Chian-Kai Chek.
Até aqui, tinha-se um enredo entre o surreal e o maravilhoso. É neste momento que Dario Fo faz meia-volta e envereda pela denúncia política contra o que pode a irracionalidade pseudorrevolucionária, representada pelo Partido Comunista Chinês. A peça necessita da participação da plateia, que a partir deste momento começa a ser buscada pelo ator, porque esta mesma plateia terá papel central na finalização do espetáculo.
Dario Fo é um inovador - neste caso, diria até um revolucionário - da dramaturgia convencional. Ele não poupa nada e sempre busca maneiras criativas de dizer o que pretende. Registre-se que o texto continua extremamente atual, sobretudo por sua conclusão, se relacionarmos os fatos que vêm ocorrendo no Oriente Médio, no que toca às revoltas populares contra líderes despóticos (o caso mais recente é a Líbia) e uma possível aproximação com a permanência do sistema autoritário da China. Neste sentido, a decisão de montagem deste trabalho é extremamente oportuna.
O Grupo Trilho revela um jovem ator, com muita força de vontade, sob uma dupla direção (não entendi o papel de cada diretor, mas vamos lá), exigido continuamente pela troca de tons nas falas, num espetáculo que passa do fantástico e maravilhoso – portanto, em princípio, mais poético - para o paródico - portanto, mais cômico e escrachado.
Estas mudanças, contudo, nem sempre são bem trabalhadas pelo intérprete, que começa num tom de “contador de causo” e assim prossegue ao longo de todo o espetáculo, o que termina por desvalorizar aquele momento final que seria, justamente, o mais importante, o clímax para onde o dramaturgo dirige o texto (o clímax que, para Aristóteles, deve encerrar o desfecho e a lição de toda a obra teatral) fica, assim, diminuído. O tom casuístico não é necessariamente negativo: lembremos a transposição de Guimarães Rosa para um espetáculo extraordinário vivido por Paulo Autran, em Meu tio o Iauaretê. Este mesmo texto de Dario Fo foi transformado em O caso da onça, numa “nacionalização” que certamente agradaria ao dramaturgo. Mas há que se buscar uma chave de interpretação que sempre valorize o texto e seja fiel às intenções do autor, e isso penso que ficou em meio do caminho.
Não obstante, como disse, a verve do intérprete, ainda jovem, a inteligência e a oportunidade do texto, a receptividade da participação da plateia (ao menos na noite em que assisti ao espetáculo), tudo isso faz a gente passar por cima das eventuais debilidades do espetáculo, e se divertir e pensar, ao mesmo tempo, que são os objetivos básicos do texto e da encenação. Vale, pois, conhecer-se este trabalho.

2ª Temporada do espetáculo "História da Tigresa" inicia nesta sexta-feira 19/04/2013


A Cia Destemperados Teatro estará em sua segunda temporada com o espetáculo “História da Tigresa” na Sala Carlos Carvalho, na Casa de Cultura Mário Quintana, na cidade de Porto Alegre. A temporada inicia dia 19/04 e segue com apresentações até o dia 12/05 às 20h nas sextas-feiras, sábados e domingos. Os ingressos podem ser adquiridos uma hora antes do espetáculo no local pelo valor de R$ 20,00 inteira, R$ 16,00 para clientes Banrisul e R$ 10,00 meia-entrada (classe artística, clube do assinante ZH, estudantes e idosos).
O espetáculo conta a homérica história de um soldado chinês que por motivos alheios se separa de sua tropa. Entregue a própria sorte, ele se vê obrigado a salvar o único fio de vida que lhe resta. Enfrenta tempestades, avalanches de água, escala montanhas, corre por descampados enormes, sobe encostas, até que encontra uma gruta onde pode se abrigar. Entretanto, ali também é a morada de uma tigresa e seus filhotes. Surpreendentemente ele não vira comida de tigres. Ao invés disso começa uma relação nada comum entre um homem e um animal.


Um ator, uma boa história e um palco vazio. A palavra cria cenários, imagens, instiga o espectador a acompanhar o personagem em sua incrível jornada. Um espetáculo no qual os objetos, personagens e paisagens surgem pela sugestão, pela ação - física e vocal - do ator. O espaço se transforma na relação do ator com o espectador através da palavra.
“História da Tigresa” da Cia Destemperados Teatro, teve sua estreia em 25 de março de 2011 na Sala Álvaro Moreyra, em Porto Alegre/RS. Já realizou apresentações no Rio Grande do Sul no Teatro do SESC Porto Alegre, no projeto “Estação Ferrinho”, no projeto Descentralização do 18º Festival POA em Cena, na Casa de Artes Villa Mimosa em Canoas e na 58ª Feira do Livro de Porto Alegre. Em Santa Catarina foi apresentado no Teatro do SESC em Chapecó e no Espaço Nave em Garopaba. Em 2012 o espetáculo realizou seis apresentações no Teatro Dulcina, localizado na Cinelândia no Rio de Janeiro/RJ, integrando o projeto Dulcina abraça o Sul.